segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Globo Filmes ou A Indústria Cultural não é Arte

Esse Adorno, hein? Quero ver a Globo boicotar ele!
   A frase acima não é deste esboçador (ou é? Veja aqui.). Em muitos esboços deste blog, a cultura de massa, a indústria cultural e seus desdobramentos foram citados e/ou dissecados.
   Pois, eis que me deparo com o artigo do Prof. Dr. Rafael Cordeiro Silva, da Universidade Federal de Uberlândia, na Revista Cult (veja aqui). Isso me leva a mais um esboço sobre o tema. O artigo citado trata do livro dos filósofos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer - A Dialética do Esclarecimento -, e Cordeiro Silva se atém às questões da indústria cultural. Quais sejam (transcritas literalmente):
  • Indústria cultural não é arte;
  • A indústria cultural é mais afeita ao gosto mediano das massas, que constituem o tipo social predominante no capitalismo avançado;
  • Ela está referida principalmente aos meios técnicos de produção e difusão de cultura padronizada;
  • Seu poder reside em reforçar as relações de poder estabelecidas;
  • Nenhum esforço intelectual é exigido do ouvinte ou telespectador;
  • A indústria cultural é o engodo das massas.
    Partindo daí, e de outros esboços já publicados neste blog, finalmente chegamos na Globo Filmes.
    A retomada (período em que o cinema nacional volta a produzir, após o fim da Embrafilmes e do advento das leis de incentivo fiscal) é responsável por alguns bons momentos do cinema. Central do Brasil e seus dois prêmios em Berlim é um deles. Nina, Madame Satã, O Invasor, Bicho de Sete Cabeças são tantos outros. Mas, de modo geral, o senso comum só consegue se lembrar do cinema após a Globo Filmes. Assim, a retomada para o grande público ressurge em 1998.
    Nos cinco primeiros anos de sua existência, a Globo Filmes produziu 11 filmes. Apenas dois dignos de nota: Cidade de Deus e O Auto da Compadecida. Os demais são:
  • Simão, o fantasma trapalhão
  • Zoando na TV
  • Orfeu
  • O Trapalhão e a Luz Azul
  • Bossa Nova
  • A Partilha
  • Caramuru, a Invenção do Brasil
  • Xuxa e os Duendes
  • Xuxa e os Duende 2 - No caminho das fadas
    Todos estes filmes receberam incentivo fiscal. Todos estes filmes (alguns deles, claramente desserviços à cultura nacional) foram pagos com dinheiro público (dinheiro que seria arrecadado em impostos e deixou de ser). Todos eles deram lucro à Globo Filmes.
    Claro que há muitos bons filmes no catálogo da produtora. O Homem que Copiava, Casa de Areia, Vinícius, O ano em que meus pais sairam de férias, entre outros.
    Mas o fato é que, de modo geral, a produção da Globo Filmes, única que realmente vende ingresso neste país, segue à risca a descrição feita por Adorno e Horkheimer da Indústria Cultural. Vejamos.

        A indústria cultural é mais afeita ao gosto mediano das massas

    Xuxa e os Duendes, Xuxa e os Duendes 2, Zoando na TV, O Trapalhão e a Luz Azul. Próxima.

        Ela está referida principalmente aos meios técnicos de produção

    Esta questão, dos meios técnicos de produção, foi levanta neste blog há pouco tempo (veja aqui). A questão da técnica não é sua utilização ou não. Mas apoiar-se unicamente nela, como meio de impressionar o espectador. Como em Nosso Lar e Olga.

         Reforçar as relações de poder estabelecidas

    Usarei aqui dois exemplos. Dois filmes. Tempos de Paz e O Bem Amado. Num, um inquisidor disposto a deportar um judeu em plena segunda guerra é sensibilizado e o filme termina com um monólogo do interrogado sob as lágrimas do torturador.

    Noutro, o líder da oposição de Sucupira, dono de um jornal de esquerda, acaba se tornando o mesmo que seu adversário da situação - um demagogo.
   Em ambos, o que se procura, é o assentamento das massas. Deixa-las resignadas, esperando as lágrimas dos torturadores e sem contar com ninguém, pois todos são corruptíveis.

       Nenhum esforço intelectual é exigido do ouvinte ou telespectador;

   Xuxa e os Duendes, Xuxa e os Duendes 2, Zoando na TV, O Trapalhão e a Luz Azul. Próxima.

       A indústria cultural é o engodo das massas

    Neste caso, a coisa vai um pouco mais além. Citarei um filme: Olga. Rebuscamento técnico, interpretações competentes e um tema político (um tema importante). Você assiste e se sente parte de algo grande. E melhor! Nada daquelas chatices que passam na TV Cultura (filme iraniano o cacete!). Então surgem as matérias no Jornal Nacional: x toneladas de polipropilenos para fazer neve, não sei quantos metro de arame para fazer as cercas dos Campos de Concentração. (E tudo parecendo muito importante). E no Fantástico, uma matéria sobre os verdadeiros Olga e Prestes, e sua linda estória de amor.
   Então você realmente está convencido que aquilo tudo te faz ser alguém maior. Você, agora, entende melhor toda aquela coisa complicada que não entendia lendo os livros. Pois então encontramos o engodo.
   Tudo isso é perfumaria. Tudo isso é rebaixamento intelectual. Pano de fundo para uma estória melosa de novela. Nada que Manoel Carlos não faria. E você, que viu a revolucionária Olga se estrepando, sente-se reconfortado por viver num país livre onde tudo isso possa ser contado abertamente.

      A Indústria cultural não é arte

   Xuxa e os Duendes, Xuxa e os Duendes 2, Zoando na TV, O Trapalhão e a Luz Azul.

Um comentário:

  1. Da teoria à prática... A reflexão é um bom exemplo de como a crítica de Adorno e Horkheimer pode ser exemplificada com a produção cinematográfica nacional. Para além de sua radicalidade, fica evidenciada sua atualidade, pois bem poucas são as exceções que não se enquadrariam no que os filósofos tematizaram na década de 1940, quando, morando nas cercanias de Hollywood amargaram a triste experiência de contato com o mundo cinematográfico dos Estados Unidos.
    Parabéns pela reflexão!
    Atenciosamente,
    Rafael Cordeiro Silva

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