sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Al otro lado del río

   Jorge Drexler é um compositor uruguaio. Jorge Drexler não é bem quisto por todos os uruguaios.
   Ele venceu o Oscar de melhor canção original por sua canção Al otro lado del río. Porém, diferente dos outros participantes, não pôde executar sua canção. Os organizadores do programa de tevê do Oscar preferiram Antonio Banderas e Carlos Santana, mais conhecidos pelo público estadunidense.
   A produção do filme, na pessoa de Walter Salles, seu diretor, protestou formalmente mas nada adiantou.
   Acontece que Jorge Drexler, venceu. E, em vez de agradecer, como todo vencedor faz, ele apenas cantou sua canção.
   Ora, um belo soco no estômago da produção do Oscar. Mas os uruguaios tiveram vergonha de Jorge Drexler. Acharam que ele foi bobo.
   Aparentemente, os uruguaios tem o mesmo complexo de vira-latas que nós temos.
   Abaixo, três vídeos. Na ordem: a canção de Jorge Drexler- Al otro lado del río; A premiação no Oscar; e reportagem da tevê uruguaia ridicularizando-o.

Amar, verbo intransitivo

Amar, verbo intransitivo é um romance. Um bom romance. Ótimo.
Mário de Andrade é um autor. Mário de Andrade escreveu Amar, verbo intransitivo e Mário de Andrade escreve Macunaíma.
Macunaíma comeu Amar, verbo intransitivo.
Este livro é de uma beleza. Imagine que Frälien era uma professora de amor. Prostituta? Não. Alguém que ensina o amor, em sua forma sublime, ideal, platônica, quase.

"É coisa que se ensine o amor? Creio que não. Pode ser que sim. Fräulein tinha um método bem dela. [...]
O amor deve nascer de correspondências, de excelências interiores. Espirituais, pensava. Os dois se sentem bem juntos. A vida se aproxima. Repartem-na, pois quatro ombros podem mais que dois. [...]"
“É coisa que se ensine o amor? Creio que não. Ela crê que sim. Por isso não foi no jardim, deve se guardar. Quer mostrar que o dever supera os prazeres da carne, supera. Carlos desfolha uma rosa. Sob as glicínias da pérgola braceja de tal jeito que o chão todo se pontilha de lilá.”

Fotografia Marginal - Larry Clark

Larry Clark fotografa aquilo que todo temem, sobretudo a classe média. Drogas e violência.
Larry não acha que devemos fechar os olhos.

Poema no. 79

crianças não sabem se esconder
elas pensam que se fecharem os olhos
ninguém as verá
ou que se cobrirem apenas parte do corpo
com a cortina
estarão ocultas

crianças são seres de ser vistos

Osvál de Andrade

Oswald de Andrade foi um antropófago.
Comia culturas e vomitava brasis.
Escreveu poemas com as almas de europeus.


3.
Chupa chupa chupão
No coração
Você me cura


Eu amo
O belo sexo
De Você


Erro de Português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio teria despido
O português


O Parto
- Midá um beijo na minha testa
- Praquê?
- Eu gosto
- Ocê tá brocha hoje
- Foi ar que deu

Livro sobre Nada

Manoel de Barros não é.
Como não é sua poesia.
Foucault disse, a respeito de Manoel de Barros (sem saber que falava a respeito dele): 
"Ora, ao longo de todo o século XIX e até nossos dias ainda (...) a literatura só existiu em sua autonomia, só se desprendeu de qualquer outra linguagem, por um corte profundo, na medida em que constituiu uma espécie de contradiscurso e remontou assim da função representativa ou significante da linguagem àquele ser bruto esquecido desde o século XVI."
Manoel de Barros atinge com sua (não) poesia o inatingível. O estado de não significância. Qual seja, o estado em que uma coisa apenas é - não representa nada. Não entre ela e o mundo nada que a represente. Nada que a ausente daquilo que ela realmente é -                         .


8.
(In Livro sobre Nada)


Nasci para administrar o à-toa
                                   o em vão
                                   o inútil.
Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
                              de pessoas com rãs
                              de pessoas com pedras
                              etc etc.
Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã 

no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei
também sabedoria mineral.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Comunidade do Esboço de Blog no Orkut

O esboço de blog que ia ser está no Orkut. Entre em nossa comunidade: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=109863409.
Em breve todo o conteúdo do blog estará na comunidade.
Lá também será mais fácil de esboçar. Entre e divulgue!
Até mais ver.

Vinicius de Moraes

Vinicius era algo que não sei. Dizem que era um poeta. Talvez fosse um poema.
Vinicius vivia a poesia em seu âmbito mais amplo.
Sua obra é dividida por ele próprio em duas fases. Uma, a primeira, mais transcendental e outra, a segunda, mais telúrica.
Abaixo, dois poemas. um de cada fase. Ausência e Soneto de Separação, musicado por Tom Jobim, que disse que Vinicius era muitos. De outra forma, chamaria Viniciu de Moral.

AUSÊNCIA

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.



SONETO DE SEPARAÇÃO


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Deus

Laerte é um cartunista. Laerte é um crossdresser. Mas isso não tem importância.
Laerte tem uma personagem chamada Deus. Que muita gente acha que é real.
Deus é muito engraçado.

Pierrot Lunaire

Tenho esboçado há algum tempo sobre Arnold Schoemberg (veja aqui e aqui).
Até agora só se disse sobre Schoenberg, mas Schoenberg não falou.
Segue, então, uma de suas peças mais conhecidas: Pierrot Lunaire, sob sua própria condução.

Mafalda

Quino é um cartunista.
Mafalda é uma revolucionária.
Quino e Mafalda são argentinos.
Algumas pessoas preferem que odiemos os argentinos (como o Galvão Bueno). Acho que argentinos são como nós: latino americanos. Tão humanos e tão geniais.
Quino é um gênio.
Mafalda é uma pessoa.

Charles Chaplin

Ele usou poucas palavras.
Por que eu usaria muitas?
Com vocês, Charles Chaplin.

Elizabeth Lee

     Elizabeth Lee é fotógrafa.
     Elizabeth Lee faz fotografia com sucos e flores.
     Isso não é um poema.
     Elizabeth Lee faz, de fato, fotografia com sucos e flores. Uma técnica chamada Anthotype, que consiste em emulsionar papéis com sumos de flores e frutas e expô-los ao sol com um negativo em contato.
     Elizabeth faz parte, como Edison Angeloni, do Cidade Invertida.
     Ao lado, um Anthotype dessa grande fotógrafa.

Grande Esboço de Promoção no Twitter


     O esboço de blog que ia ser tem o imenso prazer de anunciar o Grande Esboço de Promoção, exclusiva para o Twitter.


    Assim que o perfil do Esboço no Twitter (@esboco_de_blog) atingir a marca de 1000 seguidores, um box de DVDs do Chico Buarque, com 13 discos, da EMI, será sorteado entre os seguidores.
     Para seguir o @esboco_de_blog, clique aqui.
     Mas atenção, o só podem participar da promoção pessoas físicas e com apenas um perfil no Twitter.
     Divulguem esta promoção pelos botões de divulgação no rodapé deste esboço. Quanto mais rápido chegarmos a 1000 seguidores, mais rápido você pode ter seu Box.

     Boa sorte e até mais ver.

poema no. 78

telenovelas
são para gente grande
crianças não devem assistir a
telenovelas

telenovelas
são uma perigosa ferramenta
de propaganda ideológica
e de formação social

telenovelas propagam
preconceitos
lugares comuns
erotização

crianças não precisam ser erotizadas

por isso crianças não devem assistir a
telenovelas

Sevilha Andando

     João Cabral de Melo Neto é um poeta. Morreu em 1999.

     João Cabral viveu em vários lugares, era diplomata. Escreveu diversas obras que, ainda que cada uma fosse a única escrita por ele, já o faria um gênio. 
     Escreveu Morte e Vida Severina.
     João Cabral amou dois lugares em sua vida. Pernambuco e Espanha. Na Espanha, em Sevilla, escreveu uma de suas obras primas: Sevilha Andando.

     SEVILHA EM CASA


Tenho Sevilha em minha casa. 
Não sou eu que está chez Sevilha. 
É Sevilha em mim, minha sala. 
Sevilha e tudo o que ela afia. 

Sevilha veio a Pernambuco 
porque Aloísio lhe dizia 
que o Capibaribe e o Guadalquivir 
são de uma só maçonaria.  

Eis que agora Sevilha cobra 
onde a irmandade que haveria: 
faço vir as pressas ao Porto 
Sevilhana além de Sevilha.  

Sevilhana que além do Atlântico 
vivia o trópico na sombra 
fugindo os sóis Copacabana 
traz grossas cortinas de lona 

Manual Mínimo do Ator


     Dario Fo é escritor vencedor do Prêmio Nobel de Literatura.

     Em seu Manual Mínimo do Ator (Ed. Senac), com uma acidez interessante, ele trata do teatro popular navegando por assuntos como maquiagem, clowns, a videodependência do espectador. Porém, o texto vai, o texto vem e sempre gira em torno de um centro: Commedia dell'Arte.
     O livro é uma coletânea de pequenos textos e pode ser lido em qualquer ordem. Enfim, é Dario Fo. Isso basta para ser recomendado.
     Abaixo um pequeno trecho.

     HAMLET OU O BUFÃO

     Quando comecei a fazer teatro, o gênero clownesco, por exemplo, era relegado ao público infantil. Diante desse esquematismo estúpido, tive logo vontade de atirar tudo para o ar. Pessoalmente, não entrei para o teatro com a ideia de interpretar Hamlet. Muito pelo contrário, sempre tive a aspiração de ser um clown, um bufão...

Olhares Cruzados

     O Projeto Olhares Cruzados (www.olharescruzados.org.br) teve início em 2004 e envolveu fotógrafos, artistas, arte-educadores em oficinas no Brasil e na África.

     Crianças de favelas e bairros periféricos de Porto Alegre, Rio de Janeiro, Cabinda e Maputo fizeram oficinas de artes, fotografia, redação. As crianças trocaram correspondências entre si, formando um intercâmbio Sócio-cultural Brasil-África. 
     O resultado foi publicado em livro em 2005 e o projeto seguiu para outros lugares, como Porto Príncipe, Kinshasa, Mali e Diadema.



quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Victor Jara

   Ele foi um mártir. Victor Jara deu sua vida para salvar seus companheiros e morreu de forma brutal no estádio que hoje leva seu nome (à época, Estádio de Chile), pela repressão de Pinochet.
   Victor teve as duas mãos esmagadas até que se separassem dos braços e depois foi alvejado com dezenas de tiros, na frente dos companheiros.
   É este homem que cantou "o direito de viver em paz"!

O Rouxinol e a Rosa

Oscar Wilde

   "Ela disse que dançaria comigo se eu lhe trouxesse rosas vermelhas", exclamou o jovem Estudante, "mas em todo o meu jardim não há nenhuma rosa vermelha."
   Do seu ninho no alto da azinheira, o Rouxinol o ouviu, e olhou por entre as folhas, e ficou a pensar.
   "Não há nenhuma rosa vermelha em todo o meu jardim!", exclamou ele, e seus lindos olhos encheram-se de lágrimas. "Ah, nossa felicidade depende de coisas tão pequenas! Já li tudo que escreveram os sábios, conheço todos os segredos da filosofia, e no entanto por falta de uma rosa vermelha minha vida infeliz."
   "Finalmente, eis um que ama de verdade", disse o Rouxinol. "Noite após noite eu o tenho cantado, muito embora não o conhecesse: noite após noite tenho contado sua história para as estrelas, e eis que agora o vejo. Seus cabelos são escuros como a flor do jacinto, e seus lábios são vermelhos como a rosaI de se desejo; porém a paixão transformou-lhe o rosto em marfim pálido, e a cravou-lhe na fronte sua marca."
   "Amanhã haverá um baile no palácio do príncipe", murmurou o jovem Estudante, "e minha amada estará entre os convidados. Se eu lhe trouxer uma rosa vermelha, ela há de dançar comigo até o dia raiar. Se lhe trouxer uma rosa vermelha, eu a terei nos meus braços, e ela deitará a cabeça no meu ombro, e sua mão ficará apertada na minha. Porém não há nenhuma rosa vermelha no meu jardim, e por isso ficarei sozinho, e ela passará por mim sem me olhar. Não me dará nenhuma atenção, e meu coração será destroçado."
   "Sim, ele ama de verdade", disse o Rouxinol. "Aquilo que eu canto, ele sofre; o que para mim é júbilo, para ele é sofrimento. Sem dúvida, o Amor é uma coisa maravilhosa. É mais precioso do que as esmeraldas, mais caro do que as opalas finas. Nem pérolas nem romãs podem comprá-lo, nem é coisa que se encontre à venda no mercado. Não é possível comprá-lo de comerciante, nem pesá-lo numa balança em troca de ouro".
   "Os músicos no balcão", disse o jovem Estudante, "tocarão seus instrumentos de corda, e meu amor dançará ao som da harpa e do violino. Dançará com pés tão leves que nem sequer hão de tocar no chão, e os cortesãos, com seus trajes coloridos, vão cercá-la. Porém comigo ela não dançará, porque não tenho nenhuma rosa vermelha para lhe dar." E jogou-se na grama, cobriu o rosto com as mãos e chorou.
   "Por que chora ele?", indagou um pequeno Lagarto Verde, ao passar correndo com a cauda levantada.
   "Sim, por quê?", perguntou uma Borboleta, que esvoaçava em torno de um raio de sol.
   "Sim, por quê?", sussurrou uma Margarida, virando-se para sua vizinha, com uma voz suave.
   "Ele chora por uma rosa vermelha", disse o Rouxinol.
   "Uma rosa vermelha?", exclamaram todos. "Mas que ridículo!" E o pequeno Lagarto, que era um tanto cínico, riu à grande.
   Porém o Rouxinol compreendia o segredo da dor do Estudante, e calou-se no alto da azinheira, pensando no mistério do Amor.
   De repente ele abriu as asas pardas e levantou vôo. Atravessou o arvoredo como uma sombra, e como uma sombra cruzou o jardim.
   No centro do gramado havia uma linda Roseira, e quando a viu o Rouxinol foi até ela, pousando num ramo.
   "Dá-me uma rosa vermelha", exclamou ele, "que cantarei meu canto mais belo para ti".
   Porém a Roseira fez que não com a cabeça.
   "Minhas rosas são brancas", respondeu ela, "tão brancas quanto a espuma do mar, e mais brancas que a neve das montanhas. Porém procura minha irmã que cresce junto ao velho relógio de sol, e talvez ela possa te dar o que queres."
   Assim, o Rouxinol voou até a Roseira que crescia junto ao velho relógio de sol.
   "Dá-me uma rosa vermelha", exclamou ele, "que cantarei meu canto mais belo para ti."
   Porém a Roseira fez que não com a cabeça.
   "Minhas rosas são amarelas", respondeu ela, "amarelas como os cabelos da sereia que está sentada num trono de âmbar, e mais amarelas que o narciso que floresce no prado quando o ceifeiro ainda não veio com sua foice. Porém procura minha irmã que cresce junto à janela do Estudante, e talvez ela possa te dar o que queres."
   Assim, o Rouxinol voou até a Roseira que crescia junto à janela do Estudante.
   "Dá-me uma rosa vermelha", exclamou ele, "que cantarei meu canto mais belo para ti."
   Porém a Roseira fez que não com a cabeça.
   "Minhas rosas são vermelhas", respondeu ela, "vermelhas como os pés da pomba, e mais vermelhas que os grandes leques de coral que ficam a abanar na caverna no fundo do oceano. Porém o inverno congelou minhas veias, e o frio queimou meus brotos, e a tempestade quebrou meus galhos, e não darei nenhuma rosa este ano."
   "Uma única rosa vermelha é tudo que quero", exclamou o Rouxinol, só uma rosa vermelha! Não há nenhuma maneira de consegui-la?"
   "Existe uma maneira", respondeu a Roseira, "mas é tão terrível que não ouso te contar."
   "Conta-me", disse o Rouxinol. "Não tenho medo."
   "Se queres uma rosa vermelha", disse a Roseira, "tens de criá-la com tua música ao luar, e tingi-Ia com o sangue de teu coração. Tens de cantar para mim apertando o peito contra um espinho. A noite inteira tens de cantar para mim, até que o espinho perfure teu coração e teu sangue penetre em minhas veias, e se torne meu."
   "A Morte é um preço alto a pagar por uma rosa vermelha", exclamou o Rouxinol, "e todos dão muito valor à Vida. É agradável, no bosque verdejante, ver o Sol em sua carruagem de ouro, e a Lua em sua carruagem de madrepérola. Doce é o perfume do pilriteiro, e as belas são as campânulas que se escondem no vale, e as urzes que florescem no morro. Porém o Amor é melhor que a Vida, e o que é o coração de um pássaro comparado com o coração de um homem?"
   Assim, ele abriu as asas pardas e levantou vôo. Atravessou o jardim como uma sombra, e como uma sombra voou pelo arvoredo.
   O jovem Estudante continuava deitado na grama, onde o Rouxinol o havia deixado, e as lágrimas ainda não haviam secado em seus belos olhos.
   "Regozija-te", exclamou o Rouxinol, "regozija-te; terás tua rosa vermelha. Vou criá-la com minha música ao luar, e tingi-la com o sangue do meu coração. Tudo que te peço em troca é que ames de verdade, pois o Amor é mais sábio que a Filosofia, por mais sábia que ela seja, e mais poderoso que o Poder, por mais poderoso que ele seja. Suas asas são da cor do fogo, e tem a cor do fogo seu corpo. Seus lábios são doces como o mel, e seu hálito é como o incenso.
   O Estudante levantou os olhos e ficou a escutá-lo, porém não compreendia o que lhe dizia o Rouxinol, pois só conhecia as coisas que estão escritas nos livros.
   Mas o Carvalho compreendeu, e entristeceu-se, pois ele gostava muito do pequeno Rouxinol que havia construído um ninho em seus galhos.
   "Canta uma última canção para mim", sussurrou ele; "vou sentir-me muito solitário depois que tu partires."
   Assim, o Rouxinol cantou para o Carvalho, e sua voz era como água jorrando de uma jarra de prata.
   Quando o Rouxinol terminou sua canção, o Estudante levantou-se, tirando do bolso um caderno e um lápis.
   "Forma ele tem", disse ele a si próprio, enquanto se afastava, caminhando pelo arvoredo, "isso não se pode negar; mas terá sentimentos? Temo que não. Na verdade, ele é como a maioria dos artistas; só estilo, nenhuma sinceridade. Não seria capaz de sacrificar-se pelos outros. Pensa só na música, e todos sabem que as artes são egoístas. Mesmo assim, devo admitir que há algumas notas belas em sua voz. Pena que nada signifiquem, nem façam nada de bom na prática." E foi para seu quarto, deitou-se em sua pequena enxerga e começou a pensar em seu amor; depois de algum tempo, adormeceu.
   E quando a Lua brilhava nos céus, o Rouxinol voou até a Roseira e cravou o peito no espinho. A noite inteira ele cantou apertando o peito contra o espinho, e a Lua, fria e cristalina, inclinou-se para ouvir. A noite inteira ele cantou, e o espinho foi se cravando cada vez mais fundo em seu peito, e o sangue foi-lhe escapando das veias.
   Cantou primeiro o nascimento do amor no coração de um rapaz e de uma moça. E no ramo mais alto da Roseira abriu-se uma rosa maravilhosa, pétala após pétala, à medida que canção seguia canção. Pálida era, de início, como a névoa que paira sobre o rio - pálida como os pés da manhã, e prateada como as asas da alvorada. Como a sombra de uma rosa num espelho de prata, como a sombra de uma rosa numa poça d' água, tal era a rosa que floresceu no ramo mais alto da Roseira.
   Porém a Roseira disse ao Rouxinol que se apertasse com mais força contra o espinho. Aperta-te mais, pequeno Rouxinol", exclamou a Roseira, "senão o dia chegará antes que esteja pronta a rosa." Assim, o Rouxinol apertou-se com ainda mais força contra o espinho, e seu canto soou mais alto, pois ele cantava o nascimento da paixão na alma de um homem e uma mulher.
   E um toque róseo delicado surgiu nas folhas da rosa, tal como o rubor nas faces do noivo quando ele beija os lábios da noiva. Porém o espinho ainda não havia penetrado até seu coração, e assim o coração da rosa permanecia branco, pois só o coração do sangue de um Rouxinol pode tingir de vermelho o coração de uma rosa. E a Roseira insistia para que o Rouxinol se apertasse com mais força contra o espinho. "Aperta-te mais, pequeno Rouxinol", exclamou a Roseira, "senão o dia chegará antes que esteja pronta a rosa."
   Assim, o Rouxinol apertou-se com ainda mais força contra o espinho, e uma feroz pontada de dor atravessou-lhe o corpo. Terrível, terrível era a dor, e mais e mais tremendo era seu canto, pois ele cantava o Amor que é levado à perfeição pela Morte, o Amor que não morre no túmulo.
   E a rosa maravilhosa ficou rubra, como a rosa do céu ao alvorecer. Rubra era sua grinalda de pétalas, e rubro como um rubi era seu coração.
   Porém a voz do Rouxinol ficava cada vez mais fraca, e suas pequenas asas começaram a se bater, e seus olhos se embaçaram. Mais e mais fraca era sua canção, e ele sentiu algo a lhe sufocar a garganta. Então desprendeu-se dele uma derradeira explosão de música. A Lua alva a ouviu, e esqueceu-se do amanhecer, e permaneceu no céu. A rosa rubra a ouviu, e estremeceu de êxtase, e abriu suas pétalas para o ar frio da manhã. O Eco vou-a para sua caverna púrpura nas montanhas, e despertou de seus sonhos os pastores adormecidos. A música flutuou por entre os juncos do rio, e eles leva ram sua mensagem até o mar.
   "Olha, olha!", exclamou a Roseira, "a rosa está pronta." Porém o Rouxinol não deu resposta, pois jazia morto na grama alta, com o espinho cravado no coração.
   E ao meio-dia o Estudante abriu a janela e olhou para fora.
   "Ora, mas que sorte extraordinária!", exclamou. "Eis aqui uma rosa vermelha! Nunca vi uma rosa semelhante em toda minha vida. É tão bela que deve ter um nome comprido em latim." E, abaixando-se, colheu-a.
   Em seguida, pôs o chapéu e correu até a casa do Professor com a rosa na mão. A filha do Professor estava sentada à porta, enrolando seda azul num carretel, e seu cãozinho estava deitado a seus pés.
   "Disseste que dançarias comigo se eu te trouxesse uma rosa vermelha", disse o Estudante. "Eis aqui a rosa mais vermelha de todo o mundo. Tu a usarás junto ao teu coração, e quando dançarmos ela te dirá quanto te amo."
   Porém a moça franziu a testa. "Creio que não vai combinar com meu vestido", respondeu ela; "e, além disso, o sobrinho do Tesoureiro enviou-me jóias de verdade, e todo mundo sabe que as jóias custam muito mais do que as flores."
   "Ora, mas és mesmo uma ingrata", disse o Estudante, zangado, e jogou a rosa na rua; a flor caiu na sarjeta, e uma carroça passou por cima dela.
   "Ingrata!", exclamou a moça. "Tu é que és muito mal-educado; e quem és tu? Apenas um Estudante. Ora, creio que não tens sequer fivelas de prata em teus sapatos, como tem o sobrinho do Tesoureiro." E, levantando-se, entrou em casa.
   "Que coisa mais tola é o Amor!", disse o Estudante enquanto se afastava. "É bem menos útil que a Lógica, pois nada prova, e fica o tempo todo a nos dizer coisas que não vão acontecer, e fazendo-nos acreditar em coisas que não são verdade. No final das contas, é algo muito pouco prático, e como em nossos tempos ser prático é tudo, vou retomar a Filosofia e estudar Metafísica."
   Assim, voltou para seu quarto, pegou um livro grande e poeirento, e começou a ler

Man Ray - Artista

   Man Ray foi um fotógrafo, artista plástico e cineasta. Man Ray foi anarquista.
   Man Ray fundou, com Marcel Duchamp, o movimento dadá. Teve contato com o surrealismo. E passa a fotografar para financiar suas pinturas. Com o tempo passa a dar igual importância às duas linguagens.
   Man Ray produziu algumas das imagens mais emblemáticas da história da fotografia e notabilizou-se pela eexperimentação - produzi diversos fotogramas e usou a técnica de solarização em seus filmes.















Todos os Olhos

   Ontem esbocei a respeito da arte em regimes autoritários e sobre a arte comprometida. Hoje, trago uma canção que vai ao encontro destes temas. Todos os Olhos, do disco homônimo de Tom Zé, é uma ode à iniciativa, um grito contra a omissão. Num momento em que muitos preferiram "não saber de nada", Tom Zé não se absteve e pôs a cara a tapa.
   Pagou seu preço: Todos os Olhos o colocou no ostracismo. A capa ousada de Décio Pignatari (o olho do cu na vitrine das lojas já seria ousado hoje, quanto mais em 1973), as dissonâncias, as improvisações, tudo isso era demais para a época. Tom Zé, já foi dito, faz a música que virá a ser. Todos os Olhos sempre foi. Nós é que não éramos. 



Poema Sujo

Ferreira Gullar escreveu seu Poema Sujo (1976) no exílio, na Argentina. Depois do golpe de Pinochet, no Chile, Gullar pensava que o fim de sua vida podia estar próximo. Escreve, então, o poema desabafo imaginando que este podia ser seu último poema.
A pedido de Vinicius de Moraes, lê o poema na casa de Augsto Boal. O poema é gravado e é executado diversas vezes na casa de amigos, em encontros, antes de ser publicado.
Abaixo o trecho inicial do poema.





turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma
                                   e tudo
                                   (ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu

tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como 
uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti

Edison Angeloni na Cidade Invertida


     Edison Angeloni é um fotógrafo. Edison Angeloni fotografa com caixas de fósforo, latas de tinta, caixas de filme. Edison Angeloni constrói, pesquisa, dissemina câmeras pinholes.

     Edison também faz parte do Cidade Invertida, grupo de fotógrafos e educadores que percorre cidades com um trailler muito legal que faz as vezes de laboratório e câmara obscura!
 Suas fotos podem ser vistas em: http://www.flickr.com/photos/angeloni/ e ele pode ser seguido no Twitter: @eangeloni.

Pra Ser

o amor é pranto
doce salobre
           sobre
            o
              mel
              meu
                    amor
            doce
                    quente
            salga meu desejo enfermo
                    em febre
                    (em brasa)
                                      deliro com sua carne de lírios em brasa

o amor é pranto
espanto ignorante
        no ápice
        do engano

és tu,
      eminência do gozo
      em
mim.

Infância

A infância tem um quê de sonho.
Mas um sonho que não é sonhado.
Um sonho de ser visto, ouvido e pegado
com as duas mãos.

O sonho, suja-se ele
molha-se ele,

esfarrapa-se todo ele

e quando já está muito estragado de tanto ter brincado
joga-se fora e vira adulto.

Portal Literal responde ao Esboço

O Portal Literal, na pessoa de seu editor, Bolívar Torres Corrêa, respondeu ao esboço de blog que ia ser, a respeito da postagem "Portal Literal" (clique aqui para ler). Segue abaixo a resposta de Bolívar.


caro maurício,

aqui bolívar torres, editor do portal literal. vi o comentário no seu blog, dizendo que teve um poema barrado. nao lembro de ter excluídos poemas seus, mas é possível que tenha acontecido caso vc tenha postado eles no lugar errado. geralmente se posta colaborações em "banco" (no caso de áudios e vídeos e textos em PDF e Word) ou "artigos". se quiser publicá-los novamente, só me avisar que eu os aprovo.

um abraço, 

-- 
Bolívar Torres

Editor/ Portal Literal (http://portalliteral.com.br)

     E aqui, a tréplica do esboço de blog que ia ser.
     Caro Bolívar, em nenhum momento disse que a editoria do portal havia excluído meus textos. Disse que, através do sistema de sufrágio para a aprovação de textos, alguns de meus textos foram barrados como "colaborações" e foram apenas arquivados.
     Enxerguei um padrão muito claro nesses arquivamentos: Poemas que fugiam aos temas "sublimes", quais sejam, amor, paixão, beleza da vida... não passavam pelo crivo de meus iguais no portal. Ora, reconheço as qualidade de tal sistema, como se propor democrático. Contudo, minha crítica ao portal é ao caráter que ele está ganhando: um depósito de poemas (com alguma sorte, poemas) enamorados. Poemas tão bons quanto os que recebo em minha caixa de recados do Orkut, brilhando, com crianças fofas ilustrando-os.
     Não entendo como você poderia aprovar ou desaprovar meus textos passando por cima dos votos de meus iguais. De qualquer forma, recuso sua proposta. Não tenho interesse em me ligar ao Portal Literal novamente.
      Desejo sorte a você e espero que o Portal Literal receba e aprove muitos bons trabalhos. Uma iniciativa tão bacana deve vingar.

     Atenciosamente,

     Mauricio de Oliveira Filho.
     Editor do Esboço de Blog que Ia Ser

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